Mãe. Corpo que dá vida e é casa

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3/18/20245 min read

Quando penso na maternidade vários são os pensamentos que me surgem. Um deles, talvez aquele que, neste momento, mais me satisfaz, é a ideia de que a mulher-mãe passa a ser casa, em que “oferece” o seu corpo como primeira casa, que recebe, que acolhe, que nutre, que ama, que dá vida. Deve ser uma casa que dá existência e que se adapta às necessidades de quem nela habita. É essencial que assim seja e isso é promotor, não só de vida, mas de saúde.

ARTIGO DESENVOLVIDO POR

Dra. Joana Pereira

man in brown robe standing on grass field during daytime
man in brown robe standing on grass field during daytime

Vivemos tempos de grande aceleração, mudança e transformação, o que se traduz em momentos de potencial evolução, mas que facilmente se tornam em confusão, o que pode dificultar ajustamentos imprescindíveis à saúde mental. Vivemos tempos em que os laços afectivos parecem ser sentidos (e vividos) como frágeis e assustadores e em que a entrega é vivida como ameaçadora. Vivemos tempos em que o conceito de “ser” se encontra em transformação. Vivemos tempos em que o “eu” e “o outro” têm dificuldade em dar lugar ao “nós”. E esse “nós” é essencial ao bebé, que, em última instância, não existe. É na relação com a mãe que o bebé nasce, e nasce muito antes do momento do parto, por vezes, até antes de ser concebido, nasce na fantasia, no pensamento, no desejo, e é a partir desse momento que o corpo da mãe passa a ser casa desse “nós” que está em construção e transformação. Assim, com o nascimento, é desejável que a mãe se entregue ao bebé, oferecendo-se como um corpo-casa que acolhe, que nutre e que está disponível para atender a todas as suas necessidades, mesmo que isso signifique ficar em segundo plano durante um determinado tempo. Este movimento chama-se amor.

Convido o leitor a pensar sobre a importância desta relação e no impacto que esta terá no futuro. Penso que este convite surge de uma necessidade que tem vindo a crescer dentro de mim, enquanto filha, enquanto mulher, enquanto mãe, mas também, enquanto esposa e enquanto psicoterapeuta. Cada vez mais, quer na prática clínica, quer no dia-a-dia, apercebo-me de algumas mudanças que me preocupam e que me assustam verdadeiramente, a existência de uma dificuldade cada vez maior das famílias, e da sociedade, se adaptarem ao bebé. Por vezes parece-me que, inclusivamente, há uma tendência no sentido inverso, exigindo ao bebé (e continuamente ao longo da vida) de que seja ele a adaptar-se à vida como ela exista antes da sua chegada, aos tempos, às rotinas e aos hábitos, aos padrões de relação, e encaixar-se de forma quase perfeita, assegurando que não haja quaisquer alterações ou mudanças. Isto é humanamente impossível, um bebé não tem preparação, nem maturidade para tal, inclusive a nível neurológico. Um bebé necessita de um corpo-casa que o ajude a adaptar-se a este “novo-mundo”, barulhento, por vezes, confuso, ameaçador, assustador e imponente. É fundamental que a mãe, enquanto corpo-casa, esteja disponível e isso, não raras excepções, implica, numa fase inicial, colocar-se em segundo plano. É fundamental que a mãe, enquanto corpo-casa, se ofereça ao bebé e se esgote nele. É fundamental que a mãe, enquanto corpo-casa, atenda às necessidades do bebé e, muito provavelmente, não estará tão atenta às restantes. É fundamental para a mãe, enquanto corpo-casa, que os outros compreendam esse “estado” e procurem promover as condições necessárias à sua continuidade. É também fundamental, para a saúde mental da mãe e do bebé, que este “estado” quase confusional seja transitório e dê lugar à existência autónoma e independente de ambos.

Enquanto sociedade, de alguma forma, que não me proponho a explorar aqui, tem-se vindo a perder a noção do que é a intimidade e a partilha. Parece que há uma perda em crescendo da capacidade de se estar em relação, o que começa desde muito cedo, nomeadamente com o nascimento de um filho. Acredito que as exigências da própria sociedade têm contribuído para o surgimento e intensificação de mudanças profundas na forma de cada um de nós, se ver, de pensar, de sentir, de se relacionar, e naquilo que ambicionamos e o que estamos dispostos a fazer ou ceder, para alcançar um determinado objectivo ou patamar. Acredito que, à medida que a sociedade exige cada vezes mais, poderá haver um movimento interno no sentido dessa exigência e insaciedade crescerem e que dará origem a um enraizamento destas dimensões. É importante que sejamos capazes de olhar para dentro, de sentir e de escutar. Só nos conseguimos conectar a um outro se estivermos conectados a nós mesmos.

Retomando a ideia de entrega, podemos pensar em como é agradável sentirmo-nos amados e merecedores desse amor, sentir a preocupação, a ternura ou o carinho de alguém, (tanto como, fazê-lo de volta). Um bebé necessita “apenas” disso e, por vezes, parece haver um esquecimento de algo basilar. Um bebé que chora precisa, simplesmente, de ser reconfortado. Um bebé que chora precisa, sobretudo, do toque da mãe, da casa que conhece, que, ao acolher, o tranquiliza e o faz sentir-se seguro. Esta é a base de uma relação segura. É, sobretudo, aqui que reside a importância da entrega, da entrega de uma mãe ao seu bebé, que, durante um determinado período de tempo, prioriza o seu bem mais precioso em detrimento seu. E, atenção, para que seja saudável para ambos, este movimento é temporário e não é equivalente ao esquecimento ou a um desinvestimento de si.

Neste momento de tão frágil equilíbrio é fundamental a existência de um sistema de suporte robusto, robustez essa alicerçada na partilha, na compreensão, na preocupação e na disponibilidade. Um bebé ganha vida através da mãe, e a mãe, por sua vez, fortalece-se através dos que a rodeiam e a apoiam, os quais, são fundamentais e a seu tempo vão ocupar cada vez mais espaço na vida desse bebé. Portanto, para que se possa olhar para dentro, e mais tarde para fora, é imprescindível que alguém tenha, em primeiro lugar, olhado para nós e que, numa espécie de magia, se confunda sem confundir. É fundamental que o bebé tenha alguém que, o veja, o sinta e o escute, que o acolha, que consiga responder às suas necessidades, ser a voz que não tem, compreender o que ele não é sequer capaz de compreender e dar um sentido. Não é de todo simples, arrisco-me, inclusivamente, a afirmar que falhar será inevitável, o que de certa maneira, é igualmente necessário.

grayscale photo of woman carrying a baby
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woman in white crew neck t-shirt carrying baby
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person holding baby's toe with yellow petaled flower in between
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