A Diferença, do Afastamento ao Acolhimento

11/20/20234 min read

Convivemos mal com a diferença. O novo, esse elemento do inesperado, o desconhecido e, portanto, o diferente evoca habitualmente no funcionamento psíquico, a suspeita, a estranheza, a resistência e consequentemente a rejeição. É expectável e compreensível que tal movimento psíquico ocorra. Provavelmente porque necessitamos de uma base mental de previsibilidade que transmita uma rede de segurança e de expectabilidade que serve a necessidade primordial de podermos sentir a ilusão do controle sobre a realidade externa. O diferente quebra “certezas”, o diferente não convive com “normalidades”, o diferente leva à necessidade de tentativa de integração, movimento psíquico fundamental para a saúde mental, mas difícil de adquirir e de viver. Talvez seja por isso que tudo o que é alcançado no progresso humano nunca o é por consentimento unânime, mas são precisamente os “diferentes” que com a sua energia criativa nos transportam para novos e melhores estados. Cristóvão Colombo terá dito quando descobriu o Novo Mundo em 1492: “a vida contém mais imaginação do que os sonhos”. Creio que pretendia referir que o poder da imaginação, da criatividade, do “sonhar acordado” ultrapassa qualquer barreira imposta por “ditas” normalidades e é a força motriz na projecção do futuro.

ARTIGO DESENVOLVIDO POR

Dr. João Lorenzo

a close up of a white and purple flower
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São múltiplos os exemplos que ilustram a resistência ao diferente e como esta se acompanha habitualmente de um sentimento profundo de rejeição associado à hostilidade e violência. A incapacidade de integrar leva a movimentos mentais profundos de separação; “nós-eles”, “bons - maus” e à consequente necessidade de vivê-los no concreto. Os crimes de ódio racial, os genocídios por diferença política e religiosa partem deste pressuposto de intolerância total à diferença.

Com a chegada de Freud e da sua proposta terapêutica da talking cure através da Psicanálise assiste-se pela primeira vez a uma tentativa de compreensão sobre o paciente. A Psicanálise trouxe humanização ao diferente. De repente, quem sofria psicologicamente podia ter um espaço de escuta empática, acolhimento, aceitação da sua subjectividade e disponibilidade. Da instrumentalização e materialização como formas de intervenção no sofrimento psicológico passámos à palavra e à proximidade naquilo que se tornou numa primeira forma de psicoterapia.

O decorrer dos anos abriu um leque variável de formas de intervenção em Saúde Mental: mais propostas de psicoterapias, progressos na psicofarmacologia e novas políticas sociais que procuram o acolhimento e inclusão, ao invés do afastamento, o que tem permitido uma decrescente estigmatização. Porém, há aspectos complexos que ainda persistem ou que surgem. Perguntas como, “o que é normal ou patológico?” “Que variantes estão no exercício da designação de que algo é patológico?” “Como acompanhar as mudanças sociais que causam impacto nos indivíduos ou será que são as mudanças nos indivíduos que causam impacto na sociedade?” “Ou é uma troca bidireccional?”

Sabemos que ao longo dos anos e não muito recentemente certas diferenças se tornaram aceitáveis, logo normais aos olhos da sociedade, ainda assim há movimentos que não as toleram. Veja-se o exemplo da homossexualidade considerada ainda no princípio da década de 90 como uma perturbação mental pelos manuais internacionais e que apesar da mudança há quem considere que é algo que tem de ser mudado, convertido para algo “normal”, logo mais aceitável, não diferente. O mais grave é que ainda existem organizações ou indivíduos dentro do âmbito da Saúde Mental que incentivam à estigmatização da homossexualidade.

Presumo que quanto maior for a diferença em relação a nós próprios, maior a resistência. Felizmente hoje vemos o indivíduo como homo complexus num sistema de subjectividades integrado e que transporta em si um capital humano variado. Foram necessárias guerras, grandes transformações sociais ao longo de décadas para podermos ter sociedades mais inclusivas e justas. As diferenças hoje podem ter um espaço relacional, partilhando de zonas de contacto das quais podem surgir novas formas de subjectividade. A riqueza do ser humano está na sua diversidade. A diferença traz oxigenação e não a saturação ao contacto humano.

Para os propósitos deste pequeno artigo debruçar-me-ei sobre o sofrimento psicológico ou à doença mental. Ainda há pouco mais de 100 anos na nossa História o sofrimento psicológico era visto como algo que causava um forte desconforto nas sociedades ocidentais e não propriamente no sentido de procurar alívio ao paciente (Termo “paciente” vem do grego pathos – aquele que sofre ou padece de algo) que sofria de dor psíquica. Neste período assistia-se a uma tentativa de afastamento e de erradicação do individuo que padecia de sofrimento psicológico. Muitas vezes incompreendida e numa atitude rejeitante a doença mental era um “mal” necessário a extinguir com recurso a materiais e formas de intervenção frequentemente coercivas, violentas e traumatizantes. O indivíduo em sofrimento psicológico via-se frequentemente privado da sua liberdade e posto em unidades de “alienados” em hospícios espalhados pelas principais cidades. Inclusive chegou a aproveitar-se um novo tipo de arquitectura, enraizada numa nomenclatura de poder, o Panoptismo que ditava a vigilância total sobre o individuo – como não recordar o antigo hospital Miguel Bombarda em Lisboa com os seus muros altos, celas espalhadas numa praça circular com visão para uma torre de vigia no centro que tudo controlava – numa tentativa de disciplinar e não de tratar. O diferente era então colocado atrás de muros intransponíveis e “largado” numa atitude estigmatizante.

green leaf on brown dried leaves
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